sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Junta de Freguesia de Rio Mau Concelho de Penafiel =Guerra Junqueiro

Guerra Junqueiro, Português, Homem de Letras


    "Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;  um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai;  um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,  e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que  um lampejo misterioso da alma nacional,  reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
    Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,  não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,  sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,  descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação,
da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
    Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;  este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
    A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
   Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso,  pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
      Guerra Junqueiro, 1896.

1 comentário:

  1. Se o Junqueiro ainda estivesse por cá muito pouco teria que retirar ao texto, talvez o termo Limoeiro, porque a prisão agora já mudou de nome...
    As mentalidades do século dezanove ainda por cá moram, muito embora afirmem com uma certa vaidade que já são europeus, coitados, só porque reconheceram neles fiéis servidores para o que for necessário e nem é preciso mostrar a folha de serviço, que em certos casos até dá dó!

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