quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Quando o Coração Fala mais Alto

Divulgar factos reais e ter como meta entrar e ficar registado nas mentes actuais e vindouras e que haja lá sempre um cantinho onde fiquem guardadas estas gratas recordações que tiveram lugar no tempo.
Cá neste recanto é um local onde tudo parece acontecer e a inspiração é constante, voltarei sempre enquanto poder e quem sabe se não ficarei por tempo indeterminado, mesmo depois de partir.
Voltei porque em Cancelos está-se bem, está-se mesmo maravilhosamente bem, quem não desejaria estar rodeado da casa e do rio do seu sonho. Este ciúme provocador é a constatação de uma realidade de quem a vive. Mas Douro Amigo hoje vou pedir-te que sejas cúmplice comigo, porque há a necessidade de deixar mencionadas dicas que permitam se acaso eu não vier a ter tempo de acabar este trabalho que fique facilitado aos continuadores e estudiosos de Casos e personalidades, talvez até muito melhor que eu possam saber porque sempre estive ligado a todos os casos que ocorreram e o porquê desta grande paixão. Que alguém tenha depois a coragem de agradecer a todos que se vão disponibilizando e se empenham em pesquisas que permitam um relato desapaixonado e verdadeiro. A Todos o meu muito obrigado. Este não é um trabalho deste ou daquele mas de todos quantos desejarem colaborar.
Voltei.
Voltei e com a convicção plena de que trouxe comigo disponibilidade e empenho que me permitam concretizar esta ambição que vive dentro de mim desde que me conheço que é de não deixar morrer as histórias do meu Rio, das minhas Terras e das minhas Gentes. No imaginário (infelizmente) fazer regressar e ficar gravado mentalmente, os barcos e os seus transportes e a sua utilidade no Douro, as trocas de peixe por Jeropiga entre pescadores e Marinheiros dos barcos rabelos. A pesca do sável e da lampreia, o peixe miúdo de verão, as redes com que os mesmos se pescavam, as inúmeras juntas de Bois nos Areios de Melres e Dórts que alavam em alturas de rio alto os Barcos Rabelos e Rabões, os recantos das chumbeiradas, os areais onde se deitavam o lanço das redes, a pesca no Areio Dórts e Midões. As Peidocas da Ti Francelina Jigueira e do Ti Zé do Paulo em volta da fogueira enquanto esperávamos pelo próximo lanço de rede, que decorriam passado cerca de 3 horas. Não recordar a estupidez das apostas de num quarto de hora beber 5 litros de vinho vir cá fora vomitá-lo para depois beber mais dois ganhos na aposta. Voltar a votar a Mugeira nas Pedras de Linhares, Quinta do Narciso e ir lá de novo roubar as uvas Quilhão de Galo as de Alpendurada, as da Arretorta e ver passar a barca de Espadanedo a atravessar o rio amarrada ao arame. Ver o Tono Líbana de novo com a única bebedeira que apanhou de Jeropiga, trocada por peixe e que julgava que morria, as corridas de balboeiros a seis pás, Ouvir o cantar ao desafio no Barbeiro da Tasca do Pereira em Midões. O Realejo do Ganso, a Viola e o acordeão do Ribeirinho, a Flauta do Serafim Quedas e a harmónica Martinho Ferreiro. Voltar ao 3ª dia de Escola e como aviso a professora atirar a régua bater na quina da carteira e partir a meio, ir roubar as canas da índia há Seixinha e sermos os primeiros a estreá -las com uma canada dada pela Professora. De novo sermos obrigados a travar o fumo do cigarro depois de sermos obrigados a ir buscar as cabras e ovelhas, a roubar botões das roupas estendidas e a corar junto aos tanques de Cancelos e Junçadelo, para tentar nos safar-mos da porrada das duas pestes que eram o Cerqueira e o Fernando Serralheiro, que muito nos martirizaram. Voltar a empurrar das fragas a ovelha da minha avó e andar oito dias a comê-la. Voltar a participar nas traquinices da 5ª coluna, voltar aos sete anos de idade para juntamente com o Fifas meter pelo buraco da pilita o leito dos figos bravos da Figueira da Ti Guida do Albano e andar com a pilita direita da infecção e voltar a levar com a vergasta que quando nos acertavam causava dores horríveis, mas que não nos poupavam para servir de escrementa, voltar aos bailaricos ao toque do Altifalante na Tasca do Ti Mário barrigudo. Voltar de novo a pagar um Escudo para ver o Bonança na Tasca do Ti Vitorino ou Ti Mário Barrigudo, esperar que chegue o Ti Afonso Regedor para na Loja do Ti Cunha eles Juntar as Cenas do Dominó e valer a cartilhada. Ficarmos de novo na Loja do Ti Vitorino a jogar aos matraquilhos e um de nós ir há missa para ouvir a prática do Padre Vasconcelos para depois explicar às nossas Mães e convence-las que lá fomos. Ser chamados pelo Ti Afonso a nos recomendar para não fugirmos da Escola pela Janela e que lá tem vidros, mas só que a crosta não deixa nos cortar e o salto vai continuar. Voltar a roubar o cigarrito aos nossos pais para depois armados em gente grande o virmos fumar para debaixo da Tileira, Voltar a roubar os pneus da Carrinha do Ti Mário Barrigudo e pagar quinhentos e crôa sem ter participado. Roubar os dois cravos há Catequista e pagar vinte e cinco e croa, Voltar a Jogar há bola na Estrada e pagar 40 e croa. Roubar as uvas na Quinta da Moira e o Painente pagar com lampreias para não ir para Tribunal. Fazer de Bruxa no Tanque de Junçadelo. Ver de novo a festa cigana depois de ter desenterrarem o Porco que pesava mais de 12 arrobas. Voltar a ver as Fragas repovoadas de Perdizes e a Abitoreira e de Quebra Figos ao Areio D´orts de novo cheios de Coelhos. Voltar a ser desafiado a ir estudar para o seminário. Voltar de novo a prender música na Banda de Rio Mau juntamente com o Quedas o meu irmão e o Fifas e o Martinho Fajardo a nos ensinar. Estas e outras histórias em que intervieram inúmeras pessoas que ao serem registadas jamais serão esquecidas. Quem desfruta de poder diariamente adormecer e acordar com o Douro junto aos pés, e com ele manter esta conversa, deixar a janela aberta e receber os ares frescos e puros de Cancelos /Midões e as aragens de Sebolido/Rio Mau, poder ainda desfrutar da Sombra das Tileiras no Centro Recreativo e Cultural e dar duas de conversa, terá forçosamente de oferecer alguma coisa do muito que desfruta diariamente. Voltar de novo a comprar o curso de Ilusionismo e voltar a dizer da porta aos quinze anos eu vou sair e volto às dez, quando o toque de recolher obrigatório era quando batiam as Santíssimas Trindades ao anoitecer. Acredito piamente que se poderá dar um pequeno contributo para ajudar a perpetuar as memórias das minhas gentes dignas e honestas com quem tive o privilégio de muito receber sem nada me pedirem em troca, outras que não sendo do meu tempo, que tanto deram sem nada pedirem em troca. Dar sem receber, era também propósito que estava entranhado nos seus corações.
Voltarmos a termos a seriedade para de novo nos deixarem as portas abertas pela confiança que em nós depositavam. Sabendo que éramos, assim porque éramos, mas que tínhamos bom coração.

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